terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Movimentos Sociais: Unidade e Diversidade




MOVIMENTOS SOCIAIS: UNIDADE E DIVERSIDADE

Nildo Viana

RESUMO


O presente artigo aborda a questão da unidade e diversidade dos movimentos sociais. O objetivo foi apresentar a diferença entre movimentos sociais em geral e movimentos sociais específicos. Para concretizar esse objetivo, lançamos mão do método dialético e suas categorias analíticas. A análise da unidade dos movimentos sociais remeteu para a reflexão sobre o seu conceito, pois este é o elemento que permite entender a essência dos mesmos. O passo seguinte foi mostrar que existe uma diversidade no interior dessa unidade e que ela se manifesta através do movimento específico de cada grupo social em sua relação com a totalidade da sociedade moderna. Esse processo analítico foi complementado pela análise crítica de algumas definições e problemas nas abordagens dos movimentos sociais em geral e específicos. A conclusão geral é a de que é necessário um conceito de movimentos sociais que consiga dar conta da unidade e diversidade desse fenômeno, tal como o que foi apresentado no artigo, e que este momento precisa ser complementado pela análise da diversidade, o que remente para o caso dos movimentos sociais específicos.

Palavras-chave: Unidade. Diversidade. Movimentos Sociais. Movimentos Sociais Específicos. Dialética.


SOCIAL MOVEMENTS:
unity and diversity

Abstract

This article addresses the issue of the unity and diversity of social movements. The objective was to present the difference between social movements in general and specific social movements. To achieve this goal, we have used the dialectical method and its analytical categories. The analysis of the unity of social movements referred to the reflection on its concept, because this is the element that allows to understand the essence of them. The next step was to show that there is a diversity within this unity and that it manifests itself through the specific movement of each social group in its relation to the totality of modern society. This analytical process was complemented by the critical analysis of some definitions and problems in the approaches of the social movements in general and specific. The general conclusion is that there is a need for a concept of social movements that can account for the unity and diversity of this phenomenon, such as the one presented in the article, and that this moment needs to be complemented by the analysis of diversity, which The case of specific social movements.

Key words: Unity. Diversity. Social Movements. Specific Social Movements. Dialectics.

PALAVRAS-CHAVE


unidade, diversidade, movimentos sociais, movimentos sociais específicos, dialética

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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Indicações de artigos sobre Movimentos Sociais


ARTIGOS E MATERIAIS SOBRE MOVIMENTOS SOCIAIS*

* FONTE: 

BLOG SOCIOLOGIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS - http://sociologiams.blogspot.com.br/ 



ABORDAGEM MARXISTA:

Teses sobre os Movimentos Sociais - Karl Jensen

Crítica ao Especifismo - Serge Tardieu

Os Movimentos Sociais Durante o Capitalismo Oligopolista Transnacional - Nildo Viana




ABORDAGEM CULTURALISTA (TNMS - "TEORIA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS"):

Um Objetivo para os Movimentos Sociais? - Alberto Melucci

Novos Movimentos Sociais e Pluralidade do Social - Ernesto Laclau


Os Novos Conflitos Sociais - Para Evitar Mal-Entendidos - Alain Touraine

Los Nuevos Movimientos Sociales - Claus Offe


ABORDAGEM LENINISTA:

Dez Teses Acerca dos Movimentos Sociais - André Gunder Frank e Marta Fuentes

Marxismo e Movimentos Sociais - Andréia Galvão
Movimentos Sociais e Transformação Societária - Maria Guimarães e Eliane Guerra


ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA ("TEORIA DA MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS")



ABORDAGEM NEOINSTITUCIONALISTA ("TEORIA DO PROCESSO POLÍTICO" - "OPORTUNIDADES POLÍTICAS")

Mapear o Confronto Político - Doug McAdam, Sidney Tarrow e Charles Tilly



SOBRE TEORIAS/IDEOLOGIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS




ENTREVISTAS

Entrevista com Sidney Tarrow: Repertórios da Ação Coletiva e Confronto Político

Entrevista com Nildo Viana: Movimentos Sociais, Partidos Políticos e Ações Coletivas.


RESENHAS


MOVIMENTO ESTUDANTIL

Formação e Movimento Estudantil - Maria Angélica Peixoto
O Movimento Estudantil do 1968 no México - Ivanovich Pérez Cruz


O Movimento Estudantil na América Latina - Ruy Mauro Marini



FONTE:

BLOG SOCIOLOGIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS - http://sociologiams.blogspot.com.br/

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

domingo, 21 de agosto de 2016

O movimento estudantil é analisado em obra coletiva



Dados do Livro:

VIANA, Nildo (org). O Movimento Estudantil em Foco. Goiânia: Edições Redelp, 2016.



O Movimento Estudantil em Foco reúne análises do movimento estudantil sob diversos aspectos a partir de uma perspectiva crítica e renovadora. Assim, temas como reivindicações estudantis, MPL, Frente de Luta, Maio de 1968, formação e ressocialização estudantil, são analisados criticamente na presente obra.


A Coleção Movimentos Sociais, Poder Político e Transformação Social, é uma coedição do NEMOS – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Movimentos Sociais, da Faculdade de Ciências Sociais da UFG (Universidade Federal de Goiás) e Edições Redelp. Ela visa publicar reflexões teóricas e análises concretas sobre os temas que são título desta coleção e da linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFG.



Veja o Livro:


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Livro discute teoricamente os movimentos sociais




VIANA, Nildo. Os Movimentos Sociais. Curitiba: Editora Prismas, 2016.

O livro Os Movimentos Sociais é uma introdução a uma teoria dos movimentos sociais numa perspectiva marxista. Ele cumpre o papel de superar a lacuna da falta de uma teoria dos movimentos sociais na abordagem marxista, além de trazer diversos elementos que podem ser aproveitados em concepções não-marxistas. A obra consegue inovar no sentido de apontar um novo conceito de movimentos sociais, mais profundo e embasado que na maioria dos casos, e apresentar relações antes pouco desenvolvidas por outros autores, tal como na relação entre movimentos sociais e mercantilização ou burocratização.

Assim, a obra inicia com o conceito de movimentos sociais, base de todo o desenvolvimento posterior, inserindo esse fenômeno social na totalidade das relações sociais. O conceito de movimentos sociais apresentado vai além dos demais existentes por estar fortemente embasado em uma perspectiva teórico-metodológica e por não ser construído a partir de uma derivação de um movimento social particular e sim como sendo expressão do que é característico do conjunto dos movimentos sociais. Um dos méritos reside na distinção entre movimentos sociais e suas ramificações, apresentando uma interessante discussão sobre a diferença entre um movimento social em sua totalidade (tal como o movimento negro) e suas partes derivadas (organizações, ideologias, tal como o MNU – Movimento Negro Unificado, Frente Negra, Partido dos Panteras Negras, etc., que são organizações oriundas do movimento negro e não ele em si).

Após uma longa discussão e fundamentação do conceito de movimentos sociais, passa-se para uma análise da relação entre esse fenômeno e as lutas de classes. Isso é realizado nos demais capítulos, sendo que nesse focaliza apenas a questão da composição social (de classe) e da hegemonia interna nos movimentos sociais, gerando suas variedades (movimentos sociais conservadores, reformistas e revolucionários). Essas variedades de movimentos sociais estão intimamente ligadas à sua composição social e hegemonia interna.

O processo analítico continua com a análise do modo de produção capitalista, da acumulação de capital e seus efeitos sobre o movimentos sociais. Nesse capítulo, ganha destaque a discussão sobre mercantilização promovidas pela dinâmica capitalista, bem como a relação dos movimentos sociais com tal processo e com os regimes de acumulação, gerando “ondas de mercantilização”, que se aprofundam cada vez mais. A discussão sobre movimentos sociais e Estado tem como mérito analisar as formas de relação entre ambos. Nesse momento, aborda questões como cooptação, omissão, repressão (e criminalização), burocratização, entre outros aspectos, a partir da iniciativa estatal, e as orientações estatistas e civilistas, a partir da iniciativa dos próprios movimentos sociais. Na parte dedicada à análise da sociedade civil, os movimentos sociais aparecem em sua relação com a burocratização, com os partidos políticos, bem como destaca os conflitos sociais e existência dos movimentos sociais populares, ligadas às classes sociais desprivilegiadas. Por fim, a questão cultural é apresentada em toda sua complexidade, envolvendo as produções intelectuais (ideologias, representações cotidianas, crenças, etc.) e sua relação com os movimentos sociais, as lutas de classes e todo o processo social. A questão da produção social da cultura, da sua eficácia prática, bem como de seu caráter ilusório ou verdadeiro, são abordados no interior da dinâmica da sociedade e dos movimentos sociais.


Em síntese, é uma obra abrangente sobre os movimentos sociais, abarcando os mais variados aspectos dos mesmos, numa síntese teórica que explicita o que são os movimentos sociais, qual sua dinâmica e tendências na sociedade capitalista.


Texto da orelha do livro:

O livro de Nildo Viana trata de um dos temas mais relevantes na atualidade: os movimentos sociais. A relevância decorre de vários motivos, incluindo a grande quantidade de movimentos que vemos na atualidade, movimentos muitos diversos na sua composição social e nos seus objetivos. Apesar disso, existe uma lacuna teórica no que diz respeito aos movimentos sociais, pois a maioria dos autores tende a partir de uma concepção empiricista para definir os movimentos sociais e isso provoca muitas confusões na definição do conceito de movimento social. Uma das contribuições de Nildo Viana está na separação entre movimentos sociais e movimento de classe e também na discussão sobre transformação social. Nesta obra o leitor encontrará subsídios teóricos para refletir sobre os rumos que os movimentos sociais apontam para a sociedade: eles contribuem para a transformação social ou dificultam? A ascensão dos movimentos sociais no século 20 tem relação com o declínio dos movimentos de classes? São questões que o presente livro analisa e contribui com a reflexão do leitor.

André de Melo Santos

Trecho do Prefácio:

O livro Os Movimentos Sociais, de autoria de Nildo Viana, chega em boa hora. Trata-se de uma demonstração de que o pensamento autônomo, livre, instigador é possível em época de capitalismo neoliberal conformista.

O que propõe o autor é refletir e delinear uma conceituação acerca dos movimentos sociais apresentando, ao longo do livro, uma análise, que de modo claro, apresenta os principais equívocos teóricos e históricos nas definições de movimentos sociais. Tanto os autores ditos “marxistas” quanto autores de diversas outras linhagens teóricas e metodológicas são repensados a partir de suas limitações conceituais.

Pensar os movimentos sociais no capitalismo contemporâneo significa realizar a crítica aos usos e abusos conceituais e nesse sentido, a obra que vem a público realiza com primor. A erudição do autor é facilmente perceptível a partir do trânsito por autores os mais diversos, fluindo daí uma análise singular e imprescindível para a compreensão dos movimentos sociais na sociedade capitalista contemporânea.
[..]".
Cleito Pereira dos Santos


SUMÁRIO





05 - Prefácio

09 - Introdução

25 - O Conceito de Movimentos Sociais

63 - Movimentos Sociais e Luta de Classes

109 - Movimentos Sociais, Capitalismo e Acumulação de Capital

133 - Movimentos sociais e Estado

151 - Movimentos sociais e Sociedade Civil

173 - Movimentos sociais, Cultura e Ideologia

203 - Considerações Finais

205 - Referências

sexta-feira, 18 de março de 2016

O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO DO FASCISMO

O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO DO FASCISMO

Jean Barrot

Desde que o regime fascista surgiu, no período entre as duas guerras mundiais, o termo “fascismo” tem se mantido em voga. Qual grupo político não acusou seus adversários de usar “métodos fascistas”? A esquerda nunca parou de denunciar o fascismo ressurgente, a direita por sua vez insistia rotulando o PCF como o “Partido Fascista”. Significando tudo e nada, a palavra foi perdendo significado a partir do momento em que os liberais de todos os países passaram a identificar todo e qualquer Estado forte como fascista.
As ilusões dos fascistas dos anos 30 ressurgem e são apresentadas como realidade, nos dias de hoje. Na Espanha, Franco pretendia ser tão fascista quanto seus mentores, Hitler e Mussolini, mas o fato é que nunca houve uma internacional fascista. Os coronéis gregos e generais chilenos são chamados de fascistas, mas eles apenas representam variantes ditatoriais do Estado capitalista. Intitular de fascista o Estado é o mesmo que acusar os partidos que o governam. Assim, não se critica o Estado, só se denunciam aqueles que o dirigem. Os esquerdistasA tentam parecer radicais fazendo alvoroço em torno do fascismo, mas rejeitam a crítica ao Estado. Na prática, limitam-se a propor outra forma de Estado (democrática ou popular) em substituição à atual, qualquer que seja ela.
O termo “fascista” é ainda menos relevante nos países capitalistas desenvolvidos, onde os partidos comunistas e socialistas pretendem desempenhar um papel central no futuro. No discurso esquerdista, Estado “fascista” é todo aquele que reage contra o movimento revolucionário. Ora, neste caso, é muito mais correto falar de Estado pura e simplesmente e deixar o fascismo fora disso.
Há um aspecto sob o qual o fascismo triunfou e seus objetivos foram, em geral e ainda que por outros meios, alcançados: a unificação do Capital e a eficiência do Estado. Mas a verdade é que o fascismo desapareceu como movimento político e como forma de Estado. Apesar de algumas semelhanças, os partidos hoje considerados fascistas já não almejam, desde 1945, conquistar um Estado frágil de fora para dentro[1].
Insistir com a ameaça do fascismo é ignorar o fato de que o fascismo revelou-se despreparado para a tarefa, que assumiu, mas não realizou. Assim, por exemplo, em vez de fortalecer o capital alemão, o nazismo terminou dividindo-o em dois Estados. Durante a segunda guerra mundial, a polarização fascista/antifascista foi enriquecida com novos elementos. Do ponto de vista do capital, a guerra entre dois blocos imperialistas era, mais uma vez, a solução necessária para os problemas econômicos (crash de 1929) e sociais (a classe operária – rebelde, ainda que não revolucionária – tinha de ser subjugada). Deste modo, a segunda guerra mundial é mistificada como uma guerra contra o totalitarismo, na forma de fascismo. Esta é a versão que permanece.
A constante lembrança, por parte dos imperialismos vitoriosos de 1945, dos crimes nazistas serve para justificar a guerra, dando-lhe o caráter de cruzada humanitária na qual tudo, mesmo a bomba atômica, pode ser admitido para derrotar tão bárbaro inimigo. Esta interpretação não é, entretanto, mais digna de crédito do que a demagogia dos nazistas, que diziam lutar contra o capitalismo e a plutocracia ocidental.
O bloco democrático incluía um Estado tão totalitário e violento quanto a Alemanha de Hitler: a União “Soviética” de Stálin, cujo código penal prescrevia a pena de morte para os infratores de 12 anos de idade. Em suas colônias, os governos democráticos utilizavam métodos similares de terror e extermínio sempre que achassem necessários. O ocidente esperou a guerra fria para denunciar a existência dos campos de prisioneiros na URSS. Mas cada país capitalista tem que lidar com seus problemas. A Inglaterra não enfrentou uma guerra como a da Argélia. Os EUA não tiveram de organizar campos de concentração[2], mas desencadearam uma guerra colonial no Vietnam. A União “Soviética”, cujo Gulag foi denunciado no mundo inteiro, concentrou em algumas décadas os horrores cometidos durante séculos nos mais velhos países capitalistas, horrores que também resultaram em milhões de vítimas, basta lembrar a escravidão dos negros e o extermínio dos índios.
Ao longo da história, o desenvolvimento do capital tem certas consequências, entre as quais: 1) opressão mais ou menos brutal dos trabalhadores, que inclui a eliminação física; 2) competição com outros capitais nacionais, frequentemente resultando em guerra. Quando o Estado é administrado pelos “partidos dos trabalhadores”, apenas uma coisa muda: a demagogia trabalhista é mais evidente, mas os trabalhadores não serão poupados da repressão mais severa, se esta for necessária para o bom andamento dos negócios. O triunfo do capital nunca é completo, a não ser quando os trabalhadores se mobilizam por uma “vida melhor”.
A pretexto de defender os proletários dos “excessos do capital”, o antifascismo apoia a intervenção do Estado. O antifascismo tem sido o campeão do Estado forte. Assim, por exemplo, o PCF (Partido “Comunista” Francês) nos pergunta: “Que espécie de Estado é necessário na França de hoje?... O nosso Estado é estável e forte, como o presidente da república diz? Não, ele é fraco, é impotente para tirar o país da crise política e social na qual está atolado. Na verdade, o presidente da república está encorajando a desordem”[3].
Ambas, ditadura e democracia propõem o fortalecimento do Estado, como uma questão de princípio. Com o pretexto de nos proteger, mudam os estilos mas o objetivo é sempre o mesmo: “de cima para baixo”, com os ditadores, ou “de baixo para cima”, com os democratas, o capitalismo se mantém. Então, comparando ditadura e democracia, poderíamos falar de uma luta entre duas facções sociologicamente diferentes do capital? Não. Simplesmente, estamos diante de dois diferentes métodos de arregimentação do proletariado: pela força, reprimindo-o; ou assimilando-o, através de “suas” próprias organizações.
O capital opta por uma dessas soluções, de acordo com as exigências do momento. Na Alemanha, depois de 1918, a social-democracia e os sindicatos eram indispensáveis para assimilar os trabalhadores e isolar os revolucionários. Depois de 1929, a Alemanha tinha de concentrar sua indústria, minimizar a dispersão da classe média e unificar a burguesia. O movimento operário tradicional, a social-democracia, que dependia do pluralismo político e defendia os interesses imediatos dos trabalhadores, tornou-se um peso morto para o capital.
As “organizações dos trabalhadores” apoiavam firmemente o capitalismo, seja porque já não eram ou porque nunca tinham sido autônomas. Desempenharam um efetivo papel contrarrevolucionário, em 1918-21, contribuindo decisivamente para a derrota da revolução proletária na Alemanha. Em 1920, essas organizações deram o primeiro exemplo de antifascismo contrarrevolucionário (antes mesmo do surgimento do fascismo, na Itália)[4].
Mais tarde, a hipertrofia das organizações social-democratas, na sociedade e no Estado, exasperou o conservadorismo social, o malthusianismo econômico, e elas foram eliminadas. Mas a social-democracia preencheu uma função abertamente contrarrevolucionária em 1918-1921, ao defender a manutenção do trabalho assalariado. Foi por isso que se tornou necessária para representar os interesses imediatos dos assalariados, ainda que, mais tarde, viesse a dificultar a reorganização do capital como um todo.
O nazismo tinha como objetivo a destruição violenta do movimento dos trabalhadores, contrariamente aos partidos fascistas de hoje. Esta é a diferença crucial. A social-democracia, que havia cumprido muito bem sua função de domesticar os trabalhadores, ocupava uma posição importante no Estado, mas era incapaz de unificar a Alemanha. Essa foi a tarefa do nazismo, que soube como atrair e subjugar todas as classes e camadas sociais, dos proletários desempregados ao capital monopolista.
No Chile de Allende, a Unidade Popular conseguiu integrar os trabalhadores, mas sem reunir a nação inteira atrás de si. Mesmo assim, tornou-se necessário subjugá-los pela força. No entanto, até novembro de 1975, não houve nenhuma repressão massiva. Se Allende proclamou a “Revolução na Legalidade”, não foi para levar ao poder os trabalhadores ou porque as organizações democráticas quisessem evitar o golpe de Estado da direita. Os partidos de esquerda e sindicatos jamais conseguiram evitar qualquer coisa semelhante, exceto quando o golpe de Estado era prematuro, como o de Kapp, na Alemanha de 1920. Se não houve terror branco em Portugal, foi por falta de necessidade, pois o Partido Socialista conseguiu unificar a sociedade como um todo atrás de si.
Quer se admita ou não, o antifascismo tem sido a forma necessária para a colaboração entre trabalhadores e burgueses reformistas. O antifascismo os une afirmando representar o verdadeiro ideal da revolução burguesa, traída pelo capital. A democracia é considerada como um embrião de socialismo, já presente na sociedade capitalista. E o socialismo é representado como a plena democracia. A luta pelo socialismo consistiria em obter o máximo de direitos democráticos dentro do capitalismo. Com a ajuda do espantalho fascista, o gradualismo democrático é revitalizado.
A democracia é uma das formas políticas do capital. Sua expansão, neste século, aumentou o isolamento dos indivíduos. Nascida como solução ilusória para o problema da alienação na sociedade, a democracia é impotente para resolver o problema da mais alienada das sociedades, em toda a história, a sociedade capitalista. O antifascismo só consegue viabilizar o totalitarismo, na medida em que sua luta por um Estado democrático se resume ao fortalecimento do Estado, pura e simplesmente.
Por vários motivos, as críticas dos revolucionários ao fascismo e ao antifascismo – em particular, as que se referem à guerra civil espanhola – são ignoradas, mal entendidas e mesmo intencionalmente distorcidas. Na melhor das hipóteses, são consideradas abstratas; na pior, uma contribuição ao fascismo. Assim, o discurso antifascista veicula que: a) o PCI ajudou Mussolini por não levar o fascismo a sério e, especificamente, por não se aliar com as forças democráticas; b) o KPD facilitou a tomada do poder por Hitler, ao tratar o SPD como o inimigo principal; c) na Espanha, pelo contrário, teríamos um exemplo de luta antifascista, que poderia ter sido bem sucedida se não fossem as deficiências dos stalinistas (ou: socialistas, anarquistas, etc. – a  escolher, segundo a preferência de cada um). Ora, esses argumentos se baseiam numa completa distorção dos fatos.

Fonte: http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/9gbarrot4/330


A “Esquerdista”, aqui, significa “progressista”, ou seja, a suposta esquerda oficial, parlamentar ou mesmo a suposta extrema-esquerda, ou seja, progressistas moderados e extremistas.
[1] Na França, por exemplo, o RPF (Reagrupamento do Povo Francês), o partido do general De Gaulle, de 1947 a 1952.; o poujadismo, movimento pequeno-burguês de direita, na quarta república; e, finalmente, o RPR (Reagrupamento pela República), partido gaullista na época em que foi redigido este texto.
[2] Nos EUA, cerca de 100.000 (cem mil) japoneses foram internados em campos de concentração, durante a segunda guerra mundial. O Estado ianque não considerou necessário exterminá-los.
[3] Humanité, 6 de março de 1972.

[4] O golpe de Kapp, em 1920, foi derrotado por uma greve geral. Mas a insurreição proletária nas minas do Ruhr, que eclodiu imediatamente após e pretendia ir além do apoio à democracia, foi imediatamente reprimida pelo Estado, que utilizou as mesmas tropas que haviam sustentado o golpe de Kapp...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Chamada de Artigos - Revista Nemos 01


A Revista Movimentos Sociais (publicação do NEMOS - Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Movimentos Sociais, da Faculdade de Ciências Sociais da UFG) realizada chamada de colaborações para seu primeiro número, referente ao período de jan/jun 2016. A revista está aberta para colaborações que abordem as diversas concepções de movimentos sociais, incluindo revisão crítica de bibliografia, análises teóricas, reflexões conceituais e de elementos componentes dos movimentos sociais. Também aceita artigos a respeito de casos concretos, seja de movimentos sociais específicos, suas ramificações, etc., seja de períodos históricos, variedade de movimentos sociais e outros processos de manifestação dos movimentos sociais. As submissões devem ser realizadas no site da revista até o dia 15/04/2016. A revista aceita contribuições em português e espanhol. Os que não são cadastrados devem se cadastrar como leitores e autores no site:

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

FEMINISMO E FASCISMO

Considerações inoportunas e politicamente incorrectas acerca de uma questão dos nossos dias

por João Bernardo



            Há poucos anos atrás, quando preparava um livro sobre o fascismo que entretanto já foi publicado[1], apercebi-me de uma convergência de pontos de vista entre certo tipo de feminismo hoje em voga e a modalidade racista do fascismo, o nacional-socialismo hitleriano. Esta descoberta, devo confessá-lo, deixou-me perplexo.
            À primeira vista, esperar-se-ia uma oposição completa entre o fascismo e o feminismo, já que todos os tipos de fascismo, embora atribuíssem à mulher um papel importante na inculcação dos princípios de ordem ou na preservação da raça, a relegaram para um lugar socialmente secundário. A mulher-mãe era a mulher doméstica, e a casa, sob a autoridade do marido, era o lugar da função procriadora. No entanto, num dos seus traços decisivos - a atribuição de uma raiz biológica às manifestações culturais e a noção de que dadas manifestações culturais indicam uma dada condição biológica - o feminismo que hoje domina os meios académicos e prevalece nos órgãos de informação, propenso às abordagens «de género», para empregar a terminologia corrente, actualizou um modelo de pensamento que caracterizara o racismo germânico, nomeadamente na versão hitleriana.
            As perspectivas «de género» esforçam-se por acentuar a divisão entre a esfera masculina e a feminina, e assim colocam-se no extremo oposto ao do velho feminismo, que procurara emancipar as mulheres anulando as diferenças de comportamento entre os sexos. Ainda não há muito tempo a generalidade do feminismo possuía um cariz progressivo e ocasionalmente revolucionário, na medida em que reivindicava o pleno acesso das mulheres aos espaços económicos e sociais onde predominavam os homens, ou de que eles tinham até o exclusivo. Foi na Alemanha, durante o período chamado da República de Weimar, entre o final da primeira guerra mundial e a nomeação de Hitler para a chancelaria, que a emancipação feminina atingiu uma das suas expressões mais desenvolvidas. A revolução alemã de 1918 tentara derrubar o capitalismo e remodelar a vida social sobre a base dos conselhos de operários e de soldados, e embora tivesse sido derrotada nas suas aspirações económicas não fora vencida completamente e concentrara-se no plano da sociedade, da cultura e dos costumes, dando origem não só a uma notável vanguarda artística mas ainda a uma libertação de preconceitos culturais e sexuais sem antecedentes. Foi necessária a chegada dos nacionais-socialistas ao poder em Janeiro de 1933 para liquidar este movimento. O período da República de Weimar, que deu oportunidade a uma das experiências mais avançadas de feminismo, deve ser tomado como termo de comparação para avaliar as implicações do actual feminismo académico.
            O arquitecto comunista Hannes Meyer, director da Bauhaus desde 1928 até 1930, resumiu em meia dúzia de palavras o feminismo emancipador ao escrever que «a masculinização exterior da mulher manifesta a igualdade interna dos sexos»[2]. O que singularizou aquele tipo de feminismo foi o desejo de superar as diferenças convencionais entre os sexos e de fundi-los ambos na formação de um género verdadeiramente humano. Acerca deste feminismo podia dizer-se, como fez um personagem criado por um crítico alemão, também durante a República de Weimar, que «o sexo [...] passou a ser uma característica humana secundária»[3]. Ainda na Alemanha de Weimar, Gina Kaus, literata de origem austríaca e feminista reputada, decidiu averiguar, sem jamais se desfazer do tom irónico, em que medida a linha de demarcação entre os sexos se fazia sentir nos romances. Se se atribuísse às mulheres, como era - e continua a ser - comum, «a subjectividade, a sensibilidade e a primazia da emoção sobre o raciocínio», e aos homens «a objectividade, a autoridade formal, a amplidão do escopo intelectual, etc.», então tanto umas como os outros se encontravam em ambas as correntes literárias, a sentimental e a racional. «[...] talvez a fronteira tivesse existido outrora», observou Gina Kaus, «mas não existe hoje». Segundo ela, apenas na literatura de genre se mantinha então o privilégio da masculinidade, naquelas obras em que os personagens obedecem, como nas regras de um jogo, às convenções estritas do género - a ficção científica e o romance policial. Barreira de sexo? Não, apenas uma demarcação transitória. «Só desde há pouco tempo foi permitida às mulheres a abordagem dos problemas da realidade. Até uma data recente, ou elas próprias faziam parte da realidade ou eram uma ficção concebida pelos homens. Tal como crianças que tenham subitamente de aprender muito de uma só vez, elas não ousam dedicar-se ao jogo. Talvez daqui a vinte anos a situação seja muito diferente, e quem sabe se na próxima geração daremos graças pelo aparecimento do que tanto necessitamos - um Edgar Wallace feminino»[4]. E, com efeito, Agatha Christie...
            Situa-se nos antípodas o feminismo académico surgido há já algum tempo, que relegou as aspirações do velho feminismo para a vida quotidiana e anónima das mulheres trabalhadoras. O novo feminismo chic preenche um dos verbetes mais extensos daquele reportório de anomalias que é o dicionário do «politicamente correcto». No seu célebre romance Orwell concebeu o newspeak como linguagem dos vencedores, cujo triunfo fora tão absoluto que podiam reconstruir o passado à medida que iam edificando o presente, e se legitimavam no círculo vicioso. As raízes desta cinzenta utopia encontram-se na reportagem sobre a guerra civil na Catalunha, quando Orwell reflectiu que um triunfo total do fascismo em Espanha e no mundo permitiria no futuro apresentar como verdade aquilo que, na realidade da época, era uma absoluta mentira. A hegemonia prática incontestada asseguraria aos vencedores o controlo completo sobre o dicionário e deixá-los-ia, assim, alterar o próprio passado.
            Todavia, se a manipulação das palavras pode levar à desvirtuação das ideias, ela não tem poder para apagar os factos. Os factos passados estão incluídos nos factos presentes, fazem parte de nós mesmos, de cada um de nós ou daquilo que combatemos. E se os senhores do dicionário têm a capacidade de vendar a realidade com biombos, é-lhes impossível alterar a realidade só através das palavras. Curiosamente, as inquietações de Orwell decorriam de um universo de encantações mágicas. A manipulação da linguagem é um jogo de espelhos, praticado desde há muito, como o lucidíssimo Jean-Paul Marat observou ao denunciar que «o artifício corrente dos ministérios é [...] enganar o povo pervertendo o sentido das palavras. [...] Nunca às coisas os seus verdadeiros nomes»[5]. Mas como nós não vivemos do lado de lá do espelho, a desnaturação das imagens está permanentemente condenada a confrontar-se com a realidade.
            A debilidade que hoje enferma as aspirações de emancipação social não podia manifestar-se de maneira mais trágica, porque inteiramente caricata, do que no «politicamente correcto». Trata-se de uma espécie de newspeak dos derrotados, que com a linguagem se envolvem numa teia de ilusões, e aí permanecem, para alívio dos vencedores e não sem a perplexidade de muita gente. Assim, por exemplo, o problema do racismo nos Estados Unidos deixa de ter qualquer sentido se referirmos, em vez de negros, afro-americanos, como se a discriminação resultasse do lugar de proveniência e não das diferenças na tonalidade da pele ou no formato do nariz. Do mesmo modo, se no Brasil se disser afro-brasileiros já o caso muda inteiramente de figura, ou antes, de cor. E as dificuldades sentidas pelos deficientes físicos são apagadas na expressão pudica de portadores de necessidades específicas, como se todos nós não tivéssemos igualmente necessidades específicas. A lista podia prolongar-se indefinidamente. O «politicamente correcto» consiste, em suma, numa manipulação do vocabulário que apaga as palavras mais directamente sintomáticas da persistência real dos problemas. Se quem não conseguiu alterar a prática só pronunciar termos que obnubilam essa prática, a derrota esfuma-se sob a doce ilusão da vitória.
            O tipo de feminismo que hoje adquiriu a hegemonia nas universidades e nos meios de comunicação inclui-se pelas suas prestidigitações terminológicas na ampla e acolhedora família do «politicamente correcto». À falta de as mulheres alcançarem um plano de igualdade com os homens, essa igualdade é estabelecida entre os artigos, os pronomes, as terminações, criando-se uma abstrusa linguagem cheia de traços, barras, parêntesis e duplicações. Em géneros literários considerados de segunda ordem, como o romance policial de estilo série noire – precisamente um tipo de ficção onde existem tradições muito fortes de misoginia – a correcção política da linguagem tem sido aplicada retrospectivamente em reedições realizadas nos países de língua inglesa, e observo com assombro personagens da década de 1950, os mesmos que se caracterizam pelo desprezo a que votam as mulheres, mencionarem chairpersons e outras inovações vocabulares de igual matiz. O que não altera a maneira muito pouco correcta como as mulheres são tratadas na prática ao longo das páginas daqueles livros.
            Estes exercícios «de género» adoptam a tradicional e consabida divisão entre as esferas feminina e masculina, e basta-lhes atribuir uma conotação positiva àquela esfera que antes era valorizada negativamente, classificando ao mesmo tempo como negativa a esfera que primeiro fora objecto do aplauso de uns e da inveja das outras. A inversão da hierarquia entre os termos, considerando como fonte de virtudes a esfera feminina e a masculina como modelo de vícios, reforça a crença na inelutabilidade da existência destes termos. A realidade social, com as suas dicotomias, permanece inalterada. Só muda o vocabulário que designa esta realidade, e muda de tal forma que passa a tornar a realidade opaca para os observadores menos atentos.
            Neste malabarismo a operação central consiste em apagar a distinção entre o ideológico e o biológico. A divisão entre a esfera social masculina e a esfera social feminina resulta de uma criação cultural multi-secular, sendo inculcados às mulheres comportamentos, maneiras e opiniões diferentes dos inculcados aos homens. Mas, precisamente porque, em vez de pretender eliminar a separação dos sexos, pretende consagrá-la, o actual feminismo académico baseia a sua interpretação do mundo numa divisão de carácter estritamente biológico e a partir daí constrói um complexo edifício de distinções culturais. Com igual à-vontade procede em sentido inverso, quando atribui a um dado tipo de ideias, de atitudes e de comportamentos uma conotação biológica, masculina ou feminina consoante as preferências. Surgiu assim, como observa um filósofo que é ou foi marxista, «um tipo de contra-sexismo em que - e não por acaso - as diferenças sexuais são muito frequentemente expressas em termos que apresentam os géneros como quase-raças [...]»[6]. Neste feminismo tanto se pode passar da biologia para a cultura como da cultura para a biologia, e é esta circularidade sem critério que as teorias «de género» partilham com o nacional-socialismo e os seus antecessores directos, que conferiam uma psicologia própria aos povos considerados biologicamente.
            Vejamos o caso de Luce Irigaray, uma luminária das abordagens «de género» na história das ciências. «Será que E = Mc2 é uma equação de carácter sexual?», pergunta essa autora, para logo responder: «Talvez seja. Admitamos como hipótese que o seja na medida em que privilegia a velocidade da luz relativamente a outras velocidades que nos são vitalmente necessárias. O que me parece indicar a possível natureza sexual da equação é [...] o facto de ter privilegiado aquilo que vai mais depressa»[7]. Deixemos de lado as implicações resultantes de um tratamento tão grosseiro das questões científicas, que ilude a problemática da experimentação, para nos concentrarmos na tese de que, como os homens podem correr mais rapidamente do que as mulheres, uma física que atribui um lugar central ao conceito de velocidade padece de um carácter masculino. Com o mesmo tipo de raciocínio, Luce Irigaray sustenta que a mecânica dos sólidos está mais avançada do que a dos fluidos porque são os homens quem controla a actividade científica, e o pénis é susceptível de ficar rijo, enquanto o sexo das mulheres segrega os fluidos vaginais e deixa sair o sangue menstrual[8]. Assim, não seria só a velocidade mas também a solidez a denotar a ideologia masculina no campo das ciências, enquanto a ideologia feminina retiraria à rapidez os seus encantos e estabeleceria os fluidos no devido lugar. Todavia, os progressos da física contemporânea deveram-se não só a homens mas igualmente a pesquisadoras do sexo feminino, de onde se conclui necessariamente que pelo facto de privilegiarem a velocidade da luz ou de incrementarem o estudo da mecânica dos sólidos aquelas mulheres eram verdadeiramente masculinas. Se estes termos pudessem ser considerados com seriedade, seria curioso averiguar se o predomínio numérico das mulheres na biologia ou na química, contrariamente ao que sucede na física, teria levado aqueles ramos da ciência a evoluir por caminhos opostos aos da física.
            Mas não me parece que seja necessário continuar aqui a referir textos de autoras feministas contemporâneas para ilustrar a forma como elas radicam numa distinção biológica as distinções culturais e como, simultaneamente, encontram nas diferenças ideológicas o indício de uma distinção biológica. A dificuldade residiria não em encontrar as citações mas em seleccioná-las, de tão abundantes que são. Julgo que até o leitor mais desprevenido não deixou de deparar com este tipo de duplo raciocínio. Por isso decidi concentrar as citações deste curto artigo noutro aspecto muitíssimo menos conhecido, para mostrar que o nacional-socialismo procedia a propósito das raças – ou daquilo que denominava raças – ao mesmo tipo de operação.
            Com efeito o racismo, mais profundamente do que uma mera hierarquização étnica, consiste na atribuição de raízes biológicas a comportamentos e modos de pensar que são de origem social. A biologização da cultura é a característica distintiva do racismo. Houston Stewart Chamberlain, um dos quatro precursores oficiais do hitlerismo, deixou muito claro, em especial ao opor-se a Paul de Lagarde, outro pontífice oficial do racismo germânico, que na sua opinião as raças eram entidades fundamentalmente biológicas, e não apenas culturais e ideológicas. «[...] a configuração da cabeça e a estrutura do cérebro exercem sobre a configuração e a estrutura dos pensamentos uma influência perfeitamente decisiva; tão decisiva que, por maior que seja a influência atribuída ao meio, esta não deixa de estar submetida à constituição física enquanto facto originário, o qual reduz o número das suas possibilidades, determina o seu campo de acção e prescreve-lhe as suas orientações e os seus limites [...]»[9]. A forma intelectual exprimiria de maneira directa a forma biológica. «[...] em vez de ser fortuita ou indiferente, a forma exprime o âmago do ser, e [...] é nela, precisamente nela, que entram em contacto os dois mundos componentes do nosso universo, o exterior e o interior, o visível e o invisível»[10].
            Não podia ser mais flagrante a identidade de perspectivas com o feminismo académico dos nossos dias, que também ele considera que uma «configuração» física, neste caso a forma do sexo, «exerce sobre a configuração e a estrutura dos pensamentos uma influência perfeitamente decisiva». E a semelhança não pára aqui, porque assim como esse feminismo, depois de passar da biologia para a cultura, passa da cultura para a biologia e cataloga certos comportamentos e certas ideologias como masculinos e outros como femininos, também Houston Stewart Chamberlain tomava a cultura e as ideias como indício seguro da raça.
            Considerada por Chamberlain enquanto forma, a biologia conformava o pensamento; em sentido inverso, as grandes ideias, os eixos ideológicos norteadores, «são quase tão palpáveis» como os corpos físicos. «Relativamente à raça», admitia ele, as ideias «são sem dúvida uma consequência. Mas tenhamos o cuidado de não subestimar o contributo desta anatomia interior e invisível - desta dolicocefalia ou desta braquicefalia puramente espirituais - que age como causa e tem um âmbito de acção muitíssimo vasto»[11]. Era aqui que Chamberlain encontrava justificação para, quando melhor lhe convinha, deduzir a biologia a partir da caracterização ideológica. «[...] aquilo que designamos pela palavra “raça” é, dentro de certos limites, um fenómeno plástico, e assim como o físico reage sobre o intelectual, o intelectual reage do mesmo modo sobre o físico»[12]. Este vaivém metodológico encerrou num círculo vicioso o erudito autor do monumentalíssimo Fundamentos do Século XIX, servindo-lhe de demonstração onde coisa alguma se podia demonstrar e servindo aos seus discípulos de justificação para o genocídio dos judeus, a escravização dos eslavos e o culto dos nórdicos. Naquele país das maravilhas «nada nos impediria de afirmar algo aparentemente paradoxal, que os homens baixos deste grupo [os germanos] são grandes porque pertencem a uma raça de pessoas altas, e pelo mesmo motivo os seus braquicéfalos têm crânios alongados. Observando com mais atenção, depressa distinguireis, tanto no seu aspecto físico como no seu ser íntimo, os traços característicos do germano»[13]. Se por acaso encontrássemos um wagneriano pequenino e braquicéfalo, nada de precipitações, «observando com mais atenção» estávamos em Bayreuth, ei-lo - era um germano, era grande, era dolicocéfalo!
            Com o método infalível do círculo vicioso o enciclopédico doutrinador pisava com firmeza os dois terrenos e deduzia a biologia a partir da cultura com o mesmo à-vontade com que partira da biologia para estabelecer a cultura. Afastando as dúvidas de numerosos filólogos quanto à possibilidade de usar critérios linguísticos para definir uma raça ariana e desprezando também os «resultados caóticos obtidos pela mensuração craniana», Chamberlain pretendia que bastava a semelhança de concepções jurídicas para definir os arianos enquanto raça e para os distinguir das outras raças[14]. E o amor que celtas e germanos votavam à poesia indicaria tanto como a sua semelhança física a inclusão dos dois povos numa mesma raça germânica, considerada em sentido lato[15]. A aptidão poética seria também um argumento a favor da comunidade de origens do germano e do velho eslavo[16], e com um objectivo idêntico Chamberlain invocou a similitude dos sentimentos religiosos[17].
            Esta cómoda possibilidade de inferir a raça a partir do espírito não se aplicava só a noções colectivas e a vastos conjuntos populacionais, mas funcionava igualmente nos casos individuais. Ambrósio, por exemplo, bispo de Milão e célebre santo, era classificado entre os verdadeiros romanos. «[...] é certo que a prova é impossível», observou Chamberlain, para concluir em seguida com uma peculiar metodologia: «[...] mas como é igualmente impossível demonstrar o contrário, o único elemento de apreciação decisivo é aqui fornecido pela própria personalidade»[18]. Uma vez mais aquilo que se pretendia demonstrar servia de prova da demonstração. As biografias de santos ofereceram a Chamberlain um terreno fértil de deduções, já que, «com o Cântico ao Sol, Francisco [de Assis] demonstra ser um indo-germano de sangue puro [...]»[19]. Ele torceu porém o nariz perante outro santo não menos conhecido, Paulo de Tarso, e em abono da sua tese de que o apóstolo teria um pai judeu e uma mãe grega convertida ao judaísmo recorreu de novo ao infalível círculo vicioso. «Quando faltam as provas históricas, a psicologia científica tem todo o direito de dar a sua opinião»[20]. Seguia-se uma análise dos traços psicológicos de São Paulo e das características da sua teologia, que para a frondosa imaginação de Chamberlain revelariam ascendentes biológicos contraditórios.
            Se era possível transitar do espírito para o físico, nada impediria as influências ideológicas de corresponderem a verdadeiras mestiçagens raciais. Note-se a importância deste passo, pois o plano cultural não se limitava já a ser transformado de expressão da biologia em ponto de partida da biologia, mas a própria actividade intrabiológica poderia ocorrer directamente no âmbito cultural. A assimilação através das ideias agiria até mais depressa do que a assimilação através da miscigenação física[21]. Pusesse-se o leitor de Chamberlain a frequentar judeus, a ler literatura judaica, a apreciar quadros e esculturas de artistas judeus, e tê-lo-íamos judaizado num ápice[22]. Sucedera isto ao herético Pelágio, apesar de ser «bretão», mas «o aristotelismo e o hebraísmo fizeram-no a tal ponto perder [...] o sentido da poesia e do mito que ele se converteu [...] num semijudeu [...]»[23].
            O nazismo tornou ameaçadoras, e mais tarde trágicas, as elucubrações alucinadas e metodologicamente incriteriosas de Houston Stewart Chamberlain, já que a circularidade de argumentação entre a biologia e a ideologia foi também empregue, com as consequências conhecidas, por Hitler e pelos seus adeptos. Quando o Führer, ao discursar no congresso do partido nacional-socialista em 1933, se referiu, a propósito dos nórdicos, «àqueles que pertencem em espírito a uma certa raça»[24], ele deixou implícito que tanto se podia deduzir uma cultura de uma biologia como deduzir uma biologia das manifestações de uma cultura. E foi com este critério - ou falta dele - que Hitler orientou a sua política.
            Para o nacional-socialismo todos os judeus, pelas suas próprias características raciais, eram subversores. Segundo a mitologia que os nazis herdaram de alguns dos seus precursores, os judeus seriam não uma raça mas uma anti-raça, formada pelas escórias de outras raças, e por isso era-lhes vedado possuir uma coesão própria. Como afirmam as instruções do Ministério da Propaganda enviadas em 2 de Abril de 1943 aos directores e chefes de redacção dos órgãos de imprensa do Reich: «Sublinhar: No caso dos judeus não se trata apenas da existência de um pequeno número de criminosos (como sucede em qualquer outro povo), mas todo o judaísmo se desenvolveu a partir de raízes criminais e a sua própria natureza é criminosa. Os judeus não são um povo como os outros, mas um pseudopovo cuja coesão se deve à criminalidade hereditária»[25]. Os judeus unir-se-iam contra os seus inimigos, mas sem que eles mesmos fossem coesos. Desta condição de anti-raça lhes adviria o afã em destruir tudo o que fosse uma ordem estável. Num discurso de 11 de Dezembro de 1941 Hitler estigmatizou «o elemento judaico, cujos interesses conduzem todos à desintegração, e nunca à ordem»[26]. Tratava-se de um tema comum do nacional-socialismo, que justificava o genocídio dos judeus com a apologia da ordem.
            E assim como de uma caracterização biológica, ou tida como tal, os nazis inferiam os traços distintivos de um comportamento e de uma cultura, em sentido inverso consideravam que todos os subversores – socialistas, comunistas, anarquistas – pelo mero facto de o serem, mostravam o seu carácter racialmente judaico. «Para tornar uma luta compreensível às mais vastas massas ela deve ser sempre orientada contra dois alvos, contra uma pessoa e contra uma causa», explicava Hitler aos seus adeptos em 1925. «Assim, contra quem deve combater o nosso movimento? Contra o judeu enquanto pessoa e contra o marxismo enquanto causa»[27]. E pouco antes de soçobrar nos escombros do Reich o Führer insistia ainda: «Falamos de raça judaica por comodidade de linguagem, porque, para falar com exactidão e sob o ponto de vista genético, não existe uma raça judaica. [...] A raça judaica é antes de mais uma raça mental. [...] Uma raça mental é algo mais sólido e duradouro do que uma simples raça»[28]. Tal como, relativamente aos nórdicos, Hitler havia podido evocar aqueles que «pertencem em espírito a uma certa raça», também relativamente aos judeus ele podia referir a «raça mental».
            As próprias normas jurídicas do Reich identificaram a condição de judeu com a condição de comunista. Durante anos os judeus atingidos pelas medidas raciais foram classificados como «inimigos do Estado», sendo mesmo, por vezes, obrigados a assinar declarações em que se reconheciam como «comunistas». Só em Novembro de 1941 o Ministério das Finanças passou a dispor de um quadro legal que lhe permitiu confiscar em massa os haveres dos judeus deportados; até então as apreensões haviam obedecido a um critério individual, recorrendo-se na maior parte dos casos às leis que autorizavam a expropriação dos bens dos comunistas e dos demais opositores[29]. Esta evolução do sistema jurídico, todavia, não implicou que para os nazis as categorias raciais tivessem deixado de equivaler a categorias ideológicas, porque segundo duas sentenças de tribunal, de Junho de 1942 e de Fevereiro de 1943, mesmo pessoas que, quanto aos seus progenitores, fossem cem por cento arianas seriam tratadas como judeus se mostrassem estar ligadas por elos religiosos e civilizacionais à comunidade judaica[30].
            Com efeitos incomparavelmente mais trágicos, o círculo vicioso entre biologia e ideologia orientou o genocídio. Nos vastíssimos territórios de Leste ocupados pelas tropas do Reich e pelas dos seus aliados, os Einsatzgruppen, Comandos de Extermínio, matavam indiferenciadamente judeus e comunistas[31], porque consideravam qualquer comunista como judeu. O objectivo explícito dos Einsatzgruppen pressupunha a ausência de distinção entre as duas categorias, e nem sequer a contabilização dos mortos separou as vítimas ideológicas das vítimas raciais. Na maioria dos relatórios as execuções de judeus e de membros do Partido Comunista soviético foram enumeradas em conjunto, sem que possamos discriminar as duas categorias de vítimas[32]. E ao sabermos que um douto professor da Universidade de Strassburg escreveu a Himmler pedindo-lhe crânios de «comissários judaico-bolchevistas» destinados ao museu do seu departamento, para afinal receber crânios de judeus assassinados num campo de concentração, porque não se encontrara um número suficiente de cabeças de comunistas em bom estado[33], podemos concluir que mesmo para os cientistas – ou para quem assim se intitulava – as características biológicas se confundiam plenamente com as ideológicas. Aliás, a terminologia corrente identificava o político e o étnico ao referir o «bolchevismo judaico». Era este o conceito nuclear, exprimindo de maneira sintética a circularidade de percursos entre o físico e o intelectual. Por isso Himmler, em 1942, opôs-se a qualquer tentativa de definir por decreto o que se entendia por «judeu», já que, para empregar as suas palavras, «com todos esses estúpidos compromissos estaremos unicamente a embaraçar a nossa acção»[34]. Com efeito, seria impossível delimitar através de critérios físicos uma raça, ou antes uma anti-raça, à qual era atribuída a fluidez das entidades ideológicas. «Para a filosofia SS, o inimigo é o poderio do Mal, expresso intelectual e fisicamente», escreveu um antigo prisioneiro dos campos de concentração, que analisou com muita lucidez a estrutura interna do sistema concentracionário nazi. «O comunista, o socialista, o liberal alemão, os revolucionários, os resistentes estrangeiros são os representantes activos do Mal. A existência objectiva de certos povos, porém, de certas raças, dos judeus, dos polacos, dos russos é a expressão estática do Mal. Um judeu, um polaco, um russo não precisam de agir contra o nacional-socialismo; por nascimento, por predestinação, eles são heréticos não assimiláveis, destinados ao fogo apocalíptico»[35].
            Também na dança de roda entre o sexo e as ideias, as ideias e o sexo, as defensoras e os defensores das abordagens «de género» não seguirão o caminho que quiserem, mas aquele que a história lhes ditar, e será aí, nesse terreno último, e de nós todos agora desconhecido, que eles e elas se apresentarão com o seu rosto definitivo. Sucedeu-me participar numa banca julgadora de uma tese de doutoramento feminista na USP, e outro dos membros da banca, mais meticuloso do que eu, deu-se conta de algo que me escapara e observou à candidata que ela se referira no feminino às professoras de uma dada escola e no masculino ao pessoal directivo, embora este fosse igualmente composto por mulheres. E a autora da tese exclamou, não sei se com notável candura teórica ou completo despudor metodológico: «Eu não consigo sequer usar o género feminino para designar esse tipo de práticas». Não pude deixar de ouvir o eco das vociferações de Hitler - aquelas, ou aqueles, que pertencem em espírito a um certo sexo, um sexo mental!


Referências


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[1] Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta, Porto: Afrontamento, 2003.
[2] O artigo de Hannes Meyer, publicado em 1926, encontra-se antologiado em A. Kaes et al. (orgs. 1995) 445-449. O trecho citado vem na pág. 446.
[3] Alfred Polgar, num artigo publicado em 1928, antologiado em id., ibid., 204.
[4] Gina Kaus, «Die Frau in der Modernen Literatur», Die Literarische Welt, 15 de Março de 1929, antologiado em id., ibid., 515-517. As passagens citadas encontram-se nas págs. 516 e 517.
[5] J. P. Marat (1972) 161.
[6] E. Balibar (1994) 192.
[7] Citada por A. Sokal et al. (1998) 100.
[8] Id., ibid., 101-107.
[9] H. S. Chamberlain (1913) 296. Ver igualmente as págs. 656-660.
[10] Id., ibid., 297 (sub. orig.).
[11] Id., ibid., 621 (subs. orig.).
[12] Id., ibid., 1154.
[13] Id., ibid., 679.
[14] Id., ibid., 163-164 n.
[15] Id., ibid., 637, 640-641.
[16] Id., ibid., 643.
[17] Id., ibid., 645-646.
[18] Id., ibid., 414.
[19] Id., ibid., 1215 n. 3.
[20] Id., ibid., 792.
[21] Id., ibid., 621-622.
[22] Id., ibid., 622. Na mesma perspectiva ver a pág. 1280 n. 1.
[23] Id., ibid., 769, 770.
[24] Citado por E. Conte et al. (1995) 106.
[25] Citado por R. Hilberg (1961) 656.
[26] Citado por W. L. Shirer (1995) II 302.
[27] Citado por F. L. Carsten (1967) 123.
[28] Citado por J. Billig (2000) 300.
[29] R. Hilberg (1961) 300-302.
[30] Id., ibid., 52.
[31] H. Arendt (1994) 79, 106; J. Billig (2000) 281; A. Bullock (1972) 702; I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 110, 324, 970; R. Hilberg (1961) 643.
[32] W. L. Shirer (1995) II 371 n.
[33] R. Hilberg (1961) 608.
[34] Citado por H. Arendt (1972) 262 n. 62.
[35] D. Rousset (1946) 108.